Sobrevivente do ataque em Suzano: “Só pedia para Deus salvar a gente”

SUZANO

Enviado especial a Suzano (SP) – O pavor está refletido nos olhos de estudantes do Colégio Estadual Raul Brasil, no município de Suzano, a 50 km da capital do estado. Cinco dos mais de mil jovens matriculados na instituição e duas dos 121 funcionários foram mortos durante um ataque promovido dentro da escola, nessa quarta-feira (13/3), por dois ex-alunos.

“Eu só pedia para Deus salvar a gente”, lembra Vitor Gabriel Tolosa, 17 anos. “Quando fecho os olhos, vejo aquele menino mascarado atirando na minha direção”, detalha Raphaela Macedo, 17. Ambos sobreviveram ao massacre que matou 10 pessoas no total: além de colegas do ensino médio e servidores da escola, um comerciante da cidade e os dois assassinos.

Horas após o atentado, os jovens sobreviventes, que não se tornaram vitimas por sorte, detalharam ao Metrópoles os momentos de pânico vivenciados na escola. Nem Vitor nem Raphaela sabem se retornarão ao colégio, que ficou banhado de sangue: imagens de uma câmera de segurança mostram o começo do ataque, com um dos assassinos disparando contra quem visse pela frente, e o outro, na sequência, executando os feridos a golpes de machado.

Vitor estava na fila da cantina para pegar sua merenda quando ouviu o primeiro disparo. Pensou que era uma bombinha. “Nem dei importância. Quando escutei mais dois disparos, percebi o que estava acontecendo. Foi quando a ‘tia’ viu o atirador e foi tentar fechar a porta [da escola]”, detalha.

A “tia” é Marilena Ferreira Umezu, a primeira pessoa dentro da unidade de ensino a morrer no atentado. “Quando ela caiu, todo mundo se desesperou e correu para dentro da cozinha da escola. Ficamos trancados escutando mais de 30 tiros”, acrescenta Vitor. O pavor era tamanho que nem a chegada da polícia tranquilizou o estudante. “Quando bateram na porta, não abrimos com medo de ser o atirador”, revela.

Enquanto permaneceu trancado, o adolescente rezou. “Eu só pedia para Deus salvar a gente, para que os atiradores não abrissem a porta e que não atirassem em nós. Não tínhamos como sair dali por outro local. Eram muitos gritos e correria. Fiquei abaixado com a mão na cabeça”, lembra, angustiado.

Este é o primeiro ano de Vitor no colégio. Segundo o garoto, a rotina era tranquila, sem brigas ou atritos entre os alunos. Agora, ele pensa em mudar de instituição de ensino. “É um trauma. Minha mãe já está procurando outra escola para eu estudar”, assinala o aluno do terceiro ano do ensino médio.

Nessa quarta, para deixar o colégio, Vitor caminhou entre o sangue e os corpos dos colegas. “Entrei em choque. Vi no chão a tia [Marilena], a diretora e os alunos. Saí correndo para a rua procurando um lugar para me abrigar”, acrescenta ele.

A memória afetiva de Marilena aumenta a dor causada pelo massacre. A coordenadora, professora de filosofia, era bastante querida por estudantes e funcionários.

Pela manhã, na entrada, eu brinquei com ela. Me deixou muito abalado vê-la caída no chão. Ela nos tratava muito bem. Ela estava no chão, sendo que horas antes estávamos brincando”

Vitor Gabriel Tolosa estava na cantina no momento do massacre e conseguiu se esconder: cinco colegas e duas funcionárias não tiveram a mesma sorte: ele viu a querida “tia Marilena” caída no chão, já sem vida.

O menino se escondeu num posto de saúde a poucos metros do colégio depois de escapar da cena do crime. Viu estudantes chegarem ali sujos de sangue e muito abalados. “Uma menina chegou ensanguentada porque caiu em cima dos alunos mortos”, diz Vitor. Ele ligou para o padrasto ir buscá-lo. Depois disso, só chorou.

“Meu amigo foi um herói”

Já era noite quando Raphaela, a menina que o leitor conheceu no início da reportagem, ainda chorava na porta daquele que foi seu destino durante um sem-número de manhãs. Ela tenta a todo custo esquecer o trauma de ver um desconhecido abrir fogo contra colegas de classe.

A estudante do segundo ano do ensino médio conta que, de toda forma, os amigos tentaram se proteger. “Os meninos fizeram uma parede humana para defender as garotas. Era muito desespero. Não sabíamos o que fazer”, lembra, aos prantos.

Para ela, a cena mais chocante é a de um herói que perdeu a vida. Samuel Melquíades Silva Oliveira (foto abaixo), 16 anos, morreu ao tentar salvar uma colega. “O atirador apontou a arma para a menina, o Samuel viu e se jogou na frente dela. Os tiros pegaram na cabeça e no peito dele”, detalha a jovem.

A convivência com o Samu, como ela chamava o amigo, é o que mais lhe fará falta. “Ele era uma pessoa alegre, sempre sorrindo e brincando. Nunca vi uma pessoa acordar 6h30 da manhã e ficar contente. Ele era uma ótima pessoa”, pontua.

Raphaela tenta esquecer as cenas que presenciou, mas a menina sabe que o derramamento de sangue jamais sairá de sua memória.

Quando fecho os olhos, vejo aquele menino mascarado atirando na minha direção. Ele atirava com muita rapidez. Queria atingir qualquer pessoa. Só quando ele foi recarregar a arma que as pessoas conseguiam passar sem ser baleadas”.

Raphaela Macedo, 17 anos, sobrevivente que viu amigo ser morto.

Ela considera um golpe de sorte ter se salvado. “Estávamos no pátio em dois grupos, enquanto ele [o atirador mascarado] atirava em uma [pessoa], nós do outro grupo conseguimos sair correndo. Dois amigos meus morreram. Eu vi tanta gente morrer…”, lamenta a garota, que na noite de quarta seguia em frente à escola, em prantos, mas rezando pelos amigos que partiram.

 

Com informações metrópoles